A taxa de liberação de calor–HRR (do inglês Heat Release Rate), ou mais apropriadamente taxa de liberação de energia, é o fator isolado mais importante para caracterizar o comportamento do fogo. Por meio dessa taxa tem-se noção da potência do fogo e de sua capacidade para causar danos. Normalmente a HRR é medida em kilowatts ou megawatts. Ela é influenciada por diversas variáveis, incluindo não só propriedades relacionadas ao material combustível em si (quantidade, tipo e orientação), mas também com o processo de combustão dentro da chama e as formas de transferência de calor no ambiente, além de condições de ventilação.
O desenvolvimento do incêndio num compartimento pode ser descrito por meio de uma curva de HRR versus tempo. E nesse ponto convém destacar o conceito de carga incêndio, tão conhecido dos bombeiros. Trata-se da energia calorífica total que pode ser liberada pela combustão completa do material combustível em análise. Em outras palavras, a carga incêndio é o resultado da integração da curva de HRR ao longo do tempo de queima.
A carga incêndio é largamente utilizada em normatização de análise de riscos de incêndio. No entanto, ela não consegue retratar a realidade dinâmica do incêndio, visto que a energia total devida à queima do material nunca será liberada de uma só vez, ao mesmo tempo. A curva de HRR, por sua vez,permite avaliar o pico de liberação de energia, o tempo de duração da queima e, mais importante aqui, possibilita fazer uma correlação com a quantidade de água necessária para debelar o incêndio e os respectivos modos de ataque que as guarnições de bombeiros utilizam para o resfriamento dos gases quentes da combustão.
Numa ocorrência de incêndio, as condições dinâmicas da cena irão demandar do comandante de socorro que decisões complexas sejam tomadas em curto prazo de tempo. Muitas vezes essas decisões são adotadas sob pressão e sem o conhecimento completo e preciso da situação. Nesses casos, mais do que nunca se recorre aos fundamentos. O que alguns diriam se tratar de resposta instintiva. No entanto, seria mais adequado chamar de consciência situacional a partir de uma combinação de treinamento assertivo e experiência em situações reais. Nesse sentido, o primeiro comandante na cena tem uma das posições mais desafiadoras no cenário de emergência, pois suas decisões irão afetar o resultado do incêndio, conduzir o destino da ocorrência ao sucesso ou fracasso.
Cabe ao primeiro comandante do incidente que chegar ao local da ocorrência elaborar um plano de ação básico, mesmo com poucas informações, mas que deve conter a tática correta para o cenário apresentado. Apoiado em sólidos princípios de dinâmica de incêndios, o comandante pode traçar a melhor estratégia. Contudo, as coisas nem sempre funcionam da forma que imaginamos e a cena pode evoluir para um agravamento do incidente, sendo necessário o acionamento de reforços.
Um segundo comandante de socorro chegando ao local nos primeiros 12 minutos pode ter a vantagem de entrar na cena com um novo olhar, sem vícios. Entretanto, é preciso coragem e experiência para ser capaz de optar adequadamente pela manutenção da estratégia ou por mudar a direção das ações.
A adoção de acrônimos auxilia o comandante do incidente na tomada de decisões em situações de emergência. É o caso do SLICE-RS (size-up, locate the fire, identify the flow path, cool the space from the safest location, extinguish the fire, rescue, salvage). Numa tradução livre para o português, podemos adotar o acrônimo ALICE-S(O)S, que remete a: avaliação da cena, localização do foco do incêndio, identificação do fluxo de ar no incêndio, combate inicial, extinção do incêndio, salvamento e salvatagem. A letra “O” presente entre as duas letras “S” indica tanto que as ações são emergenciais quanto para recordar ao comandante de socorro que as duas últimas ações são de oportunidade.
A aplicação do acrônimo ALICE-S(O)S é um ótimo exemplo do momento em que a ciência encontra a prática de campo. De fato, quando isso ocorre, muitos benefícios são fornecidos aos bombeiros que tomam as decisões no nível operacional acerca da maneira como devem combater os incêndios. Essa interação pode ser considerada um enorme salto qualitativo nas atividades de combate a incêndio urbano uma vez que objetiva incorporar os dados científicos obtidos nas pesquisas realizadas em instituições de referência na área, como o NIST (National Institute of Standards and Technology) e o UL (Underwriters Laboratories Firefighter Safety Research Institute).
O Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, no que tange à segunda resposta, desenvolveu o acrônimo CRISE-B (ou SWARMS na sua versão em língua inglesa) para direcionar as ações a serem priorizadas pelo segundo comandante de socorro, por exemplo, um Supervisor de Área ou Superior de Dia. A descrição das ações do CRISE-B foi proposta em artigo por Campos, Cavalcanti e Lima em 2021 (vide https://bit.ly/42rFUSt).
André Telles Campos
Tenente-Coronel do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal
Doutor em Física
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