A lei Maria da Penha*, que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como educar a sociedade acerca do tema, foi promulgada em agosto de 2006, daí o motivo de que em tal mês são realizadas campanhas de propagação de informações e ações que promovem a cultura da não violência de gênero.
Mas de onde vem esse tipo de violência? Discutir sobre violência doméstica e familiar contra a mulher é falar de reflexos estruturais da nossa sociedade, dos papéis de gênero impostos e constantemente avaliados, de contextos históricos e culturais de inferiorização e desvalorização da mulher.
Numa sociedade em que as relações de gênero estruturam-se na discriminação e na qual as pessoas crescem escutando e vivenciando estereótipos que promovem o preconceito e que podem colocar pessoas em situações de violências, facilmente essa estrutura será naturalizada e perpassada por gerações.
Para exemplificar tal desvalorização, não muito distante a mulher era proibida de estudar, trabalhar no âmbito público, votar, participar da vida em sociedade e de poder fazer as próprias escolhas, dentre outros recortes. Sua vontade pertencia, inicialmente, ao seu genitor, e, ao casar-se, passava a pertencer ao seu marido, ou seja, sempre vinculada a uma figura masculina.
Desses fatos resultam simbologias e narrativas de objetificação e subjugação das relações entre homens e mulheres, das quais se originam variados tipos de violências: assédios moral e sexual, importunação sexual, violência institucional, violência simbólica, violência política, lesão corporal, estupro, violência doméstica e familiar contra a mulher, e o mais alto grau na escalada da violência, o feminicídio.
O primeiro passo para quebrar esse ciclo de violências é a divulgação de conhecimento acerca das distintas possibilidades de existência entre pessoas de gêneros diferentes, e suas nuances; a promoção de espaços que fomentem discussões sobre a temática para o público em geral; a implementação de espaços/grupos reflexivos de pessoas autoras de violência… de modo a construir/reconstruir comportamentos que conduzam à promoção do respeito aos direitos da mulher em sua integralidade.
Nem todas as pessoas sabem reconhecer uma violência sofrida ou ao menos diferenciar cada um dos cinco (05) tipos de violências elencados na lei Maria da Penha: física, psicológica, moral, patrimonial e sexual. O papel dessa lei é, inicialmente, educar a sociedade sobre o tema, a fim de propagar informações e elucidar dúvidas do que venha a ser violência doméstica e familiar contra a mulher; elenca medidas integrativas de assistência à mulher em situação de violência; enumera (rol não taxativo) medidas que podem ser tomadas pelas autoridades competentes (medida protetiva de urgência à ofendida, bem como ao agressor), e, por fim, traz determinações punitivas em caso de descumprimento de alguma medida imposta.
Ademais, a própria lei traz, em seu artigo 8º, a importância da atuação em conjunto entre os entes federativos para promoção de ações articuladas voltadas à política pública de coibição da violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que, o inciso VII aborda “a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia”.
O POP objetiva fomentar um atendimento de qualidade à população que dele necessitar, sem revitimização e com preservação da integridade física e psicológica (da vítima e dos profissionais), bem como a existência de uma equipe preparada para orientar sobre a rede de atendimento disponível para tais casos.
Além disso, internamente, são promovidas palestras/rodas de conversas mensais nos diversos setores administrativos e grupamentos da Corporação, feitas pelos profissionais assistentes sociais e psicólogos lotados no Centro de Assistência Bombeiro Militar (CEABM), que abordam o tema da violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como outros temas relevantes e correlatos, como o assédio moral e sexual.
Ressalta-se aqui que o assunto em xeque é de suma relevância para o alcance de mudanças estruturais na sociedade, a fim de que esta possa se apresentar mais justa e com equidade em seu sentido real: para que a igualdade possa ser realmente alcançada e praticada, visando assim, a efetivação dos direitos elencados no artigo 5º inciso I, da Constituição Federal, em especial, o direito à vida:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”
Afinal, falar sobre direitos das mulheres não quer dizer diminuir os dos homens, mas que a elas também devem ser destinados (ou não limitados) direitos outrora já exercidos por estes, bem como acessos a espaços e cargos anteriormente proibidos e/ou ainda dificultados.
Assim, apesar de se destacar um mês específico para impulsionar a campanha de conscientização acerca da violência doméstica, o agosto lilás, durante todo o ano é necessária a efetiva ação conjunta de governos, instituições públicas e privadas, sociedade e de cada pessoa individualmente, na responsabilização pela construção e reconstrução de relações mais saudáveis e respeitosas nos espaços pelos quais se transita, mora ou labora.
Capitã QOBM/Compl. Raquel Oliveira – Assistente Social
*Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
Parabéns capitã Raquel pela excelente narrativa.
Texto maravilhoso e de extrema importância.